Quatro versus cadáver – Entre a paródia e o pastiche
Por Kil Abreu
Fotos: Thiago Araújo
A expectativa era grande quanto a Quatro versus cadáver. É que dos espetáculos pautados provavelmente este seria o que mais se aproximaria da “peça de autor” (e aqui temos quatro!), já que a maior parte das montagens constrói suas dramaturgias de maneira mais compartilhada ou mais centrada nos recursos da própria encenação.
O plano artístico de Saulo Sisnando é primo de um teatro localizado no caldo de uma cultura jovem, em que um imaginário marcadamente urbano e cosmopolita vai buscar suas fontes: mídias diversas, como a web, o vídeo, o cinema, a TV, os quadrinhos e outras variantes e linguagens emergentes do pop e da cultura de massas. Nessa linha há espetáculos muito curiosos, como os da Cia. do teatro Rock, de São Paulo (Lado B, Na cama com Tarantino) e a Vigor Mortis, de Curitiba (Morgue Story, HitchcockBlonde). São trabalhos que tomam aquelas referências às vezes isoladamente e às vezes misturadas em verdadeiros “patchworks” formais, painéis em que interessa menos a unidade que a idéia de colagem, de justaposição.
No espetáculo paraense elas se avizinham do cinema e da literatura. Do cinema noir, nos textos de Edyr Augusto e Rodrigo Barata, e das tramas de mistério, nos de Carlos Correia Santos e do próprio Saulo Sisnando. Tendo como ponto de partida um mesmo mote, o do assassinato de um homem (em São Francisco e na Europa) e do clássico jogo de motivos e desconfiança entre os outros personagens, a peça vai variar o tema em quatro movimentos e em chave cômica.
Diremos que nesta área, a das alusões, salvo engano há outra, que é determinante na montagem, além das anunciadas pelo grupo, e como que orienta as demais: a televisão. Toda a estratégia formal se alimenta do repertório televisivo, sobretudo dos programas de humor - não aqueles de quadros humorísticos, mas os que se dedicam a uma dramaturgia redonda, continuada, no estilo “Toma lá, dá cá”. A marcação das cenas, que privilegia os planos frontais, reforça este diálogo.
Diremos que nesta área, a das alusões, salvo engano há outra, que é determinante na montagem, além das anunciadas pelo grupo, e como que orienta as demais: a televisão. Toda a estratégia formal se alimenta do repertório televisivo, sobretudo dos programas de humor - não aqueles de quadros humorísticos, mas os que se dedicam a uma dramaturgia redonda, continuada, no estilo “Toma lá, dá cá”. A marcação das cenas, que privilegia os planos frontais, reforça este diálogo.
Visto isso não se pode pedir da montagem o que ela não é, e o seu limite é o da peça de entretenimento, uma das funções legítimas do teatro. Então na prova do palco o êxito é mais que razoável. Mobiliza-se em cheio a platéia na estratégia de aproximação daquelas matrizes em que os autores se inspiraram, colecionando os clichês de gênero e os expondo humoristicamente um após o outro.
Na paralela há o fato relevante de que apesar dos quatro diferentes movimentos não é possível identificar com muita clareza as marcas individuais, as características próprias de cada um deles. Não deixa de ser decepcionante, mas, creio, parcialmente compreensível: é que o procedimento paródico que está na vocação do projeto naturalmente cria alguma tendência a uniformizar a escritura. Mais que a expressão pessoal de cada autor está em jogo o “comentário” que eles devem fazer sobre suas fontes. Ou, talvez, a marca autoral tenha ficado em um plano relativamente difícil de ser alcançado devido às soluções enfáticas usadas na encenação, que mantém uma espécie de “mão pesada” sobre a dramaturgia.
De um ou outro modo, se por um lado não há muito o que discutir quanto a estas escolhas, creio que ainda há espaço para fazer um apontamento crítico procurando sentidos mais profundos, que oferecem ao menos uma leitura possível das cenas, vistas sob outro ângulo.
De um ou outro modo, se por um lado não há muito o que discutir quanto a estas escolhas, creio que ainda há espaço para fazer um apontamento crítico procurando sentidos mais profundos, que oferecem ao menos uma leitura possível das cenas, vistas sob outro ângulo.
O imaginário da peça, urdido em uma série de situações propositalmente inverossímeis (daí parte de sua graça), é quase um mundo novo, suspenso acima do tempo histórico. É lugar onde se experimenta uma visão alegre e longínqua da realidade. Este relativismo, por ingênuo que pareça, acaba por revelar acidentalmente aquela idéia, tão impregnada em nós como um valor, sobre o diverso, o plural. No espetáculo ela aparece traduzida na forma de um vale-tudo estético, em um sem número de soluções cênicas que insinuam a paródia e alcançam o pastiche, pela via do absurdo e do grotesco. É como se de alguma maneira esse jogo com o imponderável, com uma pluralidade e uma diversidade imponderáveis, nos dissesse que há uma compensação prazerosa em uma época carente de utopia: libertos de uma abordagem minimamente crítica do real nos é permitido acreditar em
qualquer coisa, ou “estar de qualquer lado”. A tese é: tanto faz. A questão é que no limite este estar de qualquer lado também pode significar o desejo de não estar em lugar nenhum, ainda que a boa dialética nos diga que isto é uma operação ideológica, esta sim, impossível.
qualquer coisa, ou “estar de qualquer lado”. A tese é: tanto faz. A questão é que no limite este estar de qualquer lado também pode significar o desejo de não estar em lugar nenhum, ainda que a boa dialética nos diga que isto é uma operação ideológica, esta sim, impossível.
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