terça-feira, 28 de julho de 2009

Segunda: Usina Contemporânea lança olhar sobre os dramas da cidade

por: Kil Abreu
fotos: Thiago Araújo
Em “Ágora Mandrágora ou Santa Maria do Grão Agora” o Usina contemporânea de teatro comemora seus 20 anos em tom político (no que a palavra tem de essencial, a discussão sobre os caminhos da pólis) e usa o embaralhamento maquiavélico a respeito de coisas como a justiça e a relatividade entre o bem e o mal, para fazê-lo. Na peça estes valores são representados no ambiente das relações interpessoais, mas na verdade metaforizam o homem corrompido - ou uma discutível natureza incontornável deste em direção à corrupção -, no âmbito das relações entre o sujeito e o Estado.
Em que pese seus cinco séculos desde que foi escrito, o texto ganha no Brasil um palco convidativo, dadas as condições que marcaram a nossa sociabilidade desde a colonização: o amor pela encarnação instantânea de papéis que facilitem o alpinismo social e a prática – tomada não como vício, mas, valor invertido, como virtude – de apropriação da coisa pública como se fosse privada. Entretanto, se este é o plano ideológico mais geral do texto de Maquiavel, o grupo paraense elege um foco em particular, que dialoga mais de perto com a conjuntura belemense, e nele centra suas energias. A fábula, com seus jogos de aparências, é pretexto para a articulação cênica de uma crítica ácida, que segue caminhando em direção a um depoimento final marcado pelo desencanto. Lá estão as referências a personagens “típicos” da terra, tomados em tom paródico ou caricatural, pelo que têm de exemplar na negatividade. E lá está também um tema que tem lugar confortável neste desenho do corpo social corrompido e que entre os paraenses teria ganho contornos de farsa inofensiva, se não tivesse se avolumado em um drama que a cidade elegeu para si. Este tema é o da vigarice: o da falsa persona que, não vendo vantagem em se apresentar como é, cria uma máscara de ocasião, para efeito de ganho em uma situação dada.

A referência, é claro, tem endereço certo. Mas – pior para nós - tem tradição e continuidade de longa data. Basta ler algumas páginas de Sérgio Buarque de Holanda nas suas “Raízes do Brasil” para ver de que maneira herdamos dos portugueses o carinho pelos títulos, pelo emblema doutoral, que não está amparado necessariamente no lastro da labuta, do esforço e do suor. Entre outras coisas feias das quais por vezes alguns até se orgulham, está mais esta, a da titulação de empréstimo ou, no caso, a nobília inventada.
No projeto do Usina, ao contrário, há de saída uma coisa muito interessante, relacionada com este assunto. É que o elenco é composto por pelo menos três gerações de artistas, que contracenam em outro plano, oculto àquele da fábula: em perspectiva estão os mais jovens (Gilberto Andrade, Landa de Mendonça, Milton Aires, Ronalda Salgado); e os mais velhos (Astréa Lucena, Andréa Rezende, Nando Lima, Cláudio Melo, Alberto Silva, Leo Bitar) trazendo justamente uma história – então, uma verdade, uma trajetória conquistada através do trabalho - que dá chão aos primeiros e que é resposta àquela idéia da falsidade, ou do travestimento do sujeito através da falsa honraria.
Talvez isso justifique um primeiro espetáculo, que não detalharei aqui porque é indescritível, mas que ocorreu quando, na Segunda-feira, a chuva caiu sobre a praça e obrigou que a apresentação fosse transferida para o teatro Waldemar Henrique. Não fosse a solidariedade verdadeira, baseada na parceria artística e no espírito de coletivo, certamente a platéia não teria esperado por horas pelo rearranjo no espaço novo para, enfim, ouvir as coisas importantes que se tinha a dizer. E a platéia não saiu. É que ali se instalava acidentalmente, na paralela, uma Experiência social incomum para a época, em que havia um esforço de respeito pelo público, que se sentia prestigiado, e pelo próprio trabalho, fruto de um investimento criativo que não poderia ser abortado por causa da chuva. A montagem, então, teria que ser vista nestas circunstâncias. Mas faremos aqui uma tentativa de mediação entre esta apresentação, de exceção, e o que o espetáculo apontaria nas suas condições ideais.
Dele o primeiro sentido que salta é, felizmente, o da experimentação e do risco. Certamente o trabalho está entre os mais experimentais do Festival, dedicado ao laboratório livre com a forma e com a expressão. E este caráter laboratorial tem pelo menos três eixos fortes: o próprio projeto do encenador, a cenografia e toda a parte musical, que inclui elementos de trilha sonora e de sonoplastia. Há sempre, cena após cena, uma vontade subliminar que rejeita as soluções que seriam as mais “acertadas” caso se procurasse oferecer uma leitura direcionada. Ainda que o espetáculo tenha um ideário em jogo, as construções cênicas buscam a comunicação através do estranhamento, seja no aspecto do acúmulo de fragmentos de encenação que propositalmente não têm unidade de estilo (como se o encenador mudasse as regras do jogo a cada passagem); seja no lúdico “monta-desmonta” da cenografia, em que os objetos vão sendo transformados continuamente em suas funções simbólicas; seja no ecletismo do plano sonoro, que por vezes “tematiza” de maneira referencial as cenas e às vezes se empenha em criar dissonâncias. O projeto, então, encontra na sua própria forma a resposta mais interessante para aquele problema das aparências, como se o espetáculo se recusasse a caber na máscara, a mimetizar ao pé da letra a realidade criticada. Na sua metamorfose permanente como que oferece uma volta “à altura” e em mesma moeda ao objeto que discute.
Evidentemente não se pode esperar de um plano artístico deste gênero que ele se conforme no acerto. E há, então, espaços para serem visitados. Os mais claros, parece, são a dinâmica das cenas e o trabalho com o elenco. No primeiro caso, pode-se dizer que trata-se de uma obra exigente quanto ao “azeitamento” da sua estrutura. O andamento veloz e a quantidade de mudanças nos diz que só o exercício permanente – encenar e encenar - vai gerar, na sintonia fina, as qualidades que vêm dele e que estão em processo.

Quanto ao elenco, sem que se precise entrar no mérito do talento, porque não há débito nesta área, há algo frouxo não quanto à concepção da montagem, em si, mas quanto a uma dialética que precisaria se instalar nela, talvez a partir das atuações. É que para uma proposta tão radical de investigação provavelmente seria necessário que aquele artifício inicial da fragmentação, que está em todos os lugares do espetáculo, tivesse um ponto de apoio que unifica, que dá chão comum ao diverso. Pelo que se pode intuir, este eixo em que se poderia buscar a unidade espetacular está no ator. Mas as composições atorais, postas na mesma perspectiva dos outros elementos, aparecem ampliadas em excesso, desde passagens de um quase expressionismo gestual até as bordas dos tipos de Comédia Dellarte. Por isso , por exemplo, uma performance que no recorte tem grande qualidade expressiva e empatia, como a de Cláudio Melo, funciona plenamente quando vista em situações que tendem mais ao improviso isolado, ao desempenho pessoal, mas não tem o mesmo rendimento quando posto em relação. É que o jogo, a contracenação em chaves de composição tão diferentes, exige esta também um tipo de sintonia nova, que não está dada, é também motivo de construção. Tarefa para os atores e para o encenador, na sua função de diretor de elenco.
Voltando à discussão que o espetáculo propõe, a Mandrágora do Usina, ao tematizar o drama da Ágora, e ao finalizar o espetáculo com uma imagem que eu chamei “setentista” pelo que ela tem de belamente deprimida, sinaliza uma falta. Como nos ensina a psicanalista Maria Rita Kehl em sua leitura muito produtiva da depressão na época contemporânea, o deprimido é antes de tudo um inadaptado, não um alienado. A depressão é uma forma de recusa do sujeito que, insatisfeito, não aceita o mundo porque não cabe nele. Por isso aquela imagem, em uma peça que discute a situação da cidade, é um bonito achado, pela via de um sentimento que nos parece difuso, mas que é geral e que ali encontrou um simbolismo forte. Resta, como se apontou no encontro final do Festival, dar o salto de qualidade para fazer desta imagem algo produtivo também no campo extra-artístico. Se as condições subjetivas estão tão evidentes a ponto de serem representadas através do trabalho artístico, resta, para ficar no jargão psicanalítico, sair da queixa e criar as situações objetivas de “poder” que ela dispara.











quinta-feira, 9 de julho de 2009

Domingo: andanças e cortejos pelos territórios da cidade

Por Kil Abreu
Fotos Thiago Araújo
O domingo foi dia de ampliar o alcance do teatro nos territórios da cidade. Formatos e propósitos diversos se unificaram sob a direção de um mesmo olhar: para o lado de fora do edifício convencional e procurando o contato mais direto com a comunidade, na rua, na Praça. Mesmo quando apresentado no espaço da Sala (Comédia dos erros, no Cuíra), foi mais por adequação da programação que por vocação do trabalho, também pensado para estar do lado de fora.
Este dia sintetiza, então, o recorte do Festival, na sua intenção de criar zonas de encontro decididamente mais francas com a população. Este “conceito”se alinha a uma parte importante e considerável da produção brasileira, preocupada em resgatar o lugar social do teatro - não apenas no sentido de um “teatro social”, strictu sensu, mas de um teatro de aproximação deliberada com a sociedade. Basta olhar o que anda fazendo, por exemplo, um grupo referencial como o Galpão, de Minas, que recém-estreou “Till, Eulenspiegel” retornando ao seu berço e escola: a rua. Antes este movimento já havia sido ensaiado em outro espetáculo, “Pequenos milagres”, que embora pensado para a sala fechada, baseava sua dramaturgia em depoimentos recebidos por carta, vindos de gente comum e de vários lugares do país.
Nessa mesma perspectiva encontram-se outros grupos – desde os que já se dedicam ao teatro de rua há muito tempo, como o Oigalê (de Porto Alegre), até outros, que experimentam ousadas intervenções na cidade, como o Teatro da Vertigem, que fez do degradado rio Tietê, em São Paulo, o palco para um espetáculo “navegante”, um painel épico sobre o Brasil, em “Br-3”. Estes grupos, assim como os daqui, parecem intuir, em um agudo senso de sobrevivência, que as questões de ordem estética não podem ignorar a necessidade deste contato mais direto com as platéias. E então se reinventam, pelas necessidades e tarefas que o espaço aberto coloca. Voltaremos ao tema na avaliação final do Festival.

Buchudos e Natureza no asfalto: a nostalgia alegre do popular e três variações do teatro “mínimo”
Antes de começar um outro acontecimento obviamente não pautado no Festival, mas também de muita teatralidade – o Arraial do Pavulagem-, duas intervenções peculiares ganharam a Praça da República, através do Grupo de teatro da Unama, que mostrou um exercício a partir de alguns personagens do Boi de máscaras de São Caetano de Odivelas, os “buchudos”; e a In Bust, que apresentou em suas caixas de lambe-lambe “Natureza no asfalto”.
O Buchudo, pelo que percebemos, é um tipo de mascarado de quem não se espera mais que o jogo livre e lúdico com o meio e com as pessoas, em uma amostragem do que seria uma espécie de teatralidade original, no sentido da origem. Uma teatralidade primeira, em que as convenções são relativamente libertas de formalismo e se baseiam na atitude humorada, simples, e na provocação gratuita, pelo uso da máscara e da indumentária.

A tomar o representado, dos buchudos não se espera nem mesmo aquele apelo narrativo da cultura popular tradicional, estilizado na idéia de “enredo” dos carnavais modernos. Eles parecem surgir de uma manifestação carnavalesca espontânea, ainda não hierarquizada, em que objetivo é provocar a empatia por meio do estranhamento alegre que acontece com a caracterização do brincante. Provavelmente tem neste seu acontecer quase ingênuo a função de promover a liga, o vínculo comunitário. Talvez se possa dizer que o interesse por este tipo de manifestação reproduzido na pesquisa do pessoal da Unama, é tributário de certa nostalgia em relação a estas origens. Para nós, homens informados por um imaginário urbano, estas escolhas, às vezes mais, às vezes menos idealizadas, tematizam o lugar de uma falta, de um tipo de vínculo quase sempre já perdido entre nós, que a re-apresentação de caracteres como os “buchudos” vêm nos lembrar, em uma espécie de consolar festivo, terno, ao qual aderimos de imediato, quase que afetivamente.


Natureza no Asfalto
Já em “Natureza no asfalto” a imagem das três filas indianas formadas pela platéia da In Bust no meio da Praça era algo notável. Os espectadores, tomados um a um, esperavam a sua vez para assistir a um teatro em tudo curioso (pelo formato, mas, também, pelas circunstâncias, o entorno). A caixa de “lambe-lambe” e, dentro delas, as três narrativas brevíssimas e miniaturizadas, eram na verdade um convite radical para o anti-espetacular, em uma época na qual a espetacularização do cotidiano nos mostra uma galeria infinita de variações, da política ao mundo da vida privada exibido nos BBbs, Fazendas e variantes.

É como se o teatro, aqui renovado em tamanho à sua forma mínima, precisasse se dissociar de concorrência desleal, mais visível e espalhafatosa, para recuperar, por contraste, o interesse. E são, de fato, muito interessantes mais estas peças que o grupo tira do seu baú de espantos, como diria Mário Quintana. É claro, não se trata apenas de uma estratégia de visibilidade, que teria o seu trunfo no chamado poderoso das caixinhas misteriosas.

Os quadros que trazem um passarinho baleado e ressuscitado como flor, um gato que se acidenta tentando alcançar um pássaro e depois é salvo por ele, e o troco dado pela natureza a um madeireiro devastador, são historietas que para além dos seus significados imediatos assumem um compromisso ético, de relação com o espectador, convidado particularmente para aquela sessão. O território do teatro, até então aparentemente reduzidíssimo, ganha assim uma perspectiva ampla, de interação e proximidade com o espectador.



No olho da rua: a ciranda rodava no meio do mundo

O espetáculo da Cia. brasileira de cortejos é uma destas experiências em que os territórios da representação vão ser investigados nas suas fronteiras. Mas isso caracteriza o trabalho de uma maneira ainda genérica, quanto ao panorama mais amplo, em que outros grupos se dedicam aos cruzamentos de suportes, tradições teatrais e linguagens, e também quanto à própria pré-história da Companhia (a Atores contemporâneos), de onde deriva um longo percurso artístico em que uma parte da teatralidade já estava plantada.
Até onde podemos ver as linhas de continuidade e as novas perspectivas, “No Olho da rua” preserva um eixo de pesquisa definido sobretudo por uma variação do teatro físico, ou “do movimento”, pouco interessado em aristotelismos de qualquer ordem e dedicado a investigar a expressão teatral segundo as possibilidades de uma narrativa do corpo, com seus apoios e deslocamentos próprios. Narrativas não fabulares, mas marcadas por uma tensão cênica muito contundente na abordagem dos temas de cada espetáculo, em que, na relação com as platéias, se intuía mais os “estados” dramáticos que os sentidos exemplares, redondos.
Agora empenhada em assumir, na rua, a herança do repertório cultural como tema e o contato direto com a cidade como estratégia, a trupe de Miguel Santabrígida sai batendo às portas e abrindo os caminhos para o desfile de um teatro que alude poeticamente a uma herança cultural, a nossa própria, especialmente no intercâmbio com um duplo que entre nós ganhou feições originais e definitivas: o do sagrado e do profano, do imaginário religioso e das festas pagãs, amalgamados no espetáculo na forma de um acontecimento cênico articulado com a delicadeza e com a sofisticação necessárias para realocar estas matrizes não como oposições, mas como pares indissolúveis da nossa sociabilidade.
Se a matéria é esta, resta localizar o seu espaço de acontecimento, que vai emprestar uma via a mais de significado ao espetáculo. Faz muito sentido que ele esteja na cidade velha, onde a coleção de canções e poemas que se referem às coisas da vida ordinária ganha o tablado ideal para evoluir os lances de memória, que mesmo tratados em chave quase abstrata irmanam a representação e a recepção, artistas e platéia, em um espaço a um só tempo múltiplo e comum.
A encenação de Miguel Santabrígida guarda ainda, felizmente, o rigor formal e o desejo de uma linguagem autônoma, que coloca o espetáculo longe de um tipo de teatro que, ao se apropriar do popular, acredita poder se diluir nele, em nome de certa idéia de autenticidade. Aqui, bem ao contrário, há o equilíbrio seguro entre a visita às fontes e o tratamento estético rigoroso, sem o qual não teríamos como definir os recortes firmes que fazem da montagem um depoimento artístico ao mesmo tempo disciplinado e comovente, do teatro para a sua cidade.


Comédia dos erros: espelhar os palcos e ver suas medidas

Não me pareceu que a montagem do Nós Outros foi totalmente exitosa no palco do Cuíra. E ocorre que ela seria apresentada no anfi-teatro da Praça. Foi cancelada por causa da chuva. Essa observação pode parecer acidental, mas proponho começar por aí.
A herança barroca que sobrevive em Shakespeare, traduzida nas mesmas situações especulares que estarão depois em uma peça grave como Hamlet, já se definem aqui, só que em forma de comédia. O assunto da identidade (Ser ou não ser?) era uma preocupação enraizada profundamente no coração da época, passagem de uma consciência teológica quase absoluta para um humanismo que se expandia e prometia nos transformar no que somos. Não interessa muito discutir estas motivações no contexto da cena elisabetana, mas a nós é importante saber, tomando simbolicamente a deixa do bardo, que a representação, do ponto de vista dramatúrgico, não prescinde da identidade do espaço. Diferentes espaços não geram efeitos iguais.

Sabemos que foi uma contingência, que para que o espetáculo pudesse acontecer foi preciso transferi-lo da rua para a sala fechada, mas não podemos ignorar que a relação com a platéia provavelmente mudou, como era de se esperar. É que se por um lado a dramaturgia carrega muito dos sentidos do representado, especialmente aqui, em um texto calcado no verbo, por outro o espaço define muito a eficiência da dramaturgia. Por isso montagens pensadas “para qualquer lugar” dificilmente se adaptam de fato igualmente bem em qualquer lugar. E supomos que isto tem a ver com a sustentação um pouco frouxa do ritmo do espetáculo, ao menos nesta apresentação. Porque no seu desenho, tanto no gestual quanto na marcação, há claramente um traçado firme que, no entanto, não encontrou os seus tempos ideais.

É curioso porque em princípio não faltam os elementos para o êxito da cena. Se considerarmos uma montagem tratada de forma relativamente tradicional, como é o caso, estão lá: um grupo de atores empenhados, uma direção segura, acabamento visual caprichado e coerente e até o luxo supremo de músicos que executam a trilha ao vivo. Se o espetáculo não acontece plenamente, ou concordamos com aquela hipótese ou teremos que concordar com um ditado, do qual se valiam alguns críticos antigos mais jocosos: como na cozinha, no teatro nem sempre os ingredientes aparentemente certos resultam em algo totalmente acertado.
Ficarei na vontade de assistir ao espetáculo na rua.

terça-feira, 7 de julho de 2009

O Outro e A Mulher Morta

Release de Divulgação do grupo:
Fotos : Thiago AraújoVivemos numa sociedade onde a era digital e sua velocidade definem o modo das relações entre os seres humanos, para acompanhar essa evolução, é imprescindível que se trabalhe a arte como um veículo que converse com a atualidade. O teatro nesse trabalho entra como condutor principal, a escolha pela literatura grega antiga, através dramaturgia de Eurípides, é para observar como a sociedade, desde então, já vem sendo acometida de intrigas familiares tão comuns aos dias atuais.


O espetáculo “O outro e a mulher morta”, tendo como eixo a obra “Medéia”, um texto clássico do dramaturgo grego Eurípides, ponto de partida para criação de outra dramaturgia, construída a partir do questionamento: o que é a “Medéia” hoje? E com isso, concebemos um espetáculo contemporâneo usando como veículo de comunicação a cena teatral, e junto a ela, as novas mídias; o vídeo, a internet, a música. Elementos estes envolvidos no espetáculo como linguagens da encenação estabelecendo um diálogo entre o clássico e contemporâneo.

Uma mãe que aguarda a chegada da filha recebe em sua casa visitas (o púbico), enquanto espera convida as pessoas para assistir um filme, ao ligar a TV a programação não lhe agrada, muda o canal.
Em um terminal rodoviário eles se conhecem, sentam-se juntos na viagem. Ela uma jovem, Ele um homem adulto. Ela vai tentar seduzi-lo e Ele tentará resistir, ao mesmo tempo em que tenta ler um livro.
Entrecortando as cenas da viajem, outro acontecimento expõe a vida de uma mulher, que ao descobri a traição do marido, trama destruir tudo o que ele mais ama por vingança.
Reviravoltas nessas histórias acontecem, fatos são revelados e situações extremas expostas em cheque.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Sábado, 04: Algumas recorrências e novos territórios

Sábado passado: um suspiro poético
Por Kil Abreu
fotos: Thiago Araújo
Os dois primeiros espetáculos do sábado já se apresentam como recorrências, em parentesco com dois outros já vistos no Festival: A mulher das sete saias e Amor Palhaço. Há, claro, similaridades de linguagem, mas os projetos artísticos são diferentes. No primeiro caso o similar está no uso dos espaços íntimos (tanto no sentido do espaço físico como dramatúrgico); e no segundo caso, as aproximações do clown.
Sábado Passado é parte integrante de um conjunto de solos. Para esta cena demandada pela idéia de uma dramaturgia do ator – sempre rica e arriscada – foram convocados textos de Beckett e Drummond, entre outros, amalgamados aos depoimentos de Margaret Gondim. O que de imediato chama a atenção é o espaço, a sala da casa da atriz, tão compatível com o material literário, narrativas poéticas, que logo inspira a forma do relato, o jeito de conversa, a expressão oral em “tom menor”. Apresentado para não mais que uma dúzia de pessoas, o solo se constrói inteiro em uma medida que lhe oferece a unidade: assim como o espaço é pequeno, o tempo da representação é brevíssimo (menos de meia hora) e a relação com a platéia é direta, ao ponto do toque físico, próxima e delicada.
A escolha do local é significativa por si. Por um lado adiciona à dramaturgia uma camada a mais de significado e por outro cria as condições para que a fala, costurada sempre nas bordas do lirismo, possa procurar as suas intensificações em um a escala inusual para nós. Trata-se de um lugar com memória, com uma história própria, contada nos móveis e apetrechos, tomados estes também como depoimento. É assim que alguma estranheza produtiva se instala. Habituados que estamos em identificar e “separar” de imediato aquilo que é signo cenográfico, artifício criado para a cena, somos chamados a procurar e a descobrir a função de significado em cada objeto da sala. É quando o espetáculo, ainda que minimalista, se abre em possibilidades infinitas. Pois não há como dotar de significado aquele mundo tão particular sem colocar à prova os nossos próprios mundos afetivos.

Articulada em um discurso de lirismo, a intervenção passeia suas imagens abstratas e provocativas no corpo e na presença forte da atriz – voz grave, gestualidade entregue – e nos convida a usufruir imagens que se emprestam, naquele relato, à construção dos nossos próprios. Como é uma peça breve ficamos na expectativa dos outros solos – vontade de viver esta semana inteira, de domingo a sábado.

Chuva Leva os Notáveis Clowns para o Teatro Waldemar Henrique


Em busca de um lugar na corda: os clowns “papa-chibé

por Kil Abreu
fotos: Thiago Araújo

Não fosse a licença clássica que a comédia oferece generosamente aos que se dedicam a criá-la, o espetáculo começaria já com um algo inacreditável: três palhaços paraenses que não sabem o que é o Círio. Mas, ao contrário, é este “faz de conta que pode ser assim” o que oferece o efeito cômico essencial, desenvolvido durante toda a trajetória. É de fato cômico, pela surpresa e pelo contraste, que os três tipos de comportamento insuspeito desconheçam os rituais. A tomar por este espetáculo os Notáveis Clowns são palhaços mais próximos ao circo tradicional que seus companheiros de arte e labuta, os Palhaços trovadores. Nestes últimos é mais evidente o exercício da estilização, a formalização do repertório que se preocupa mais em preservar o espírito que os procedimentos palhacísticos tradicionais. Já os Notáveis lembram mais de perto a coisa do picadeiro, seus números e gags. Não há em princípio um juízo de valor quanto a isto, pois há tarefas artísticas igualmente importantes em uma e outra vertente.

Nesta eleita pelo grupo de João Guilherme há ainda a necessidade de afinação em um aspecto fundamental e, no caso, indisfarçável: a sustentação do efeito cômico. Mesmo que se contabilize a favor do espetáculo o excelente argumento e o talento dos seus componentes, nos pareceu, ao menos nesta apresentação do Festival, que a montagem ainda se mantém em altos e baixos. E como os momentos altos são realmente bons, risíveis e comoventes, só fazem contrastar ainda mais aqueles outros em que, como diria Peter Brook, fica faltando a “centelha de vida”, aquela chama acesa permanentemente no espaço entre o palco e a platéia, do início ao fim da representação, e que ao menos idealmente não deve se apagar. O esforço do ator, independentemente do gênero, seria o de manter essa chama, que às vezes é labareda espetacular, às vezes discreta faísca, mas sempre potente.

Para isso, nas coordenadas que se oferece, talvez seja preciso chamar mais à função a direção do espetáculo, que tem algumas tarefas: olhar para os tempos das cenas (aqui não seria demais repetir o lugar comum entre o pessoal de teatro, de que na comédia o tempo é tudo) e para o que pode ser retomado no trabalho dos atores quanto a detalhes mais de ordem técnica, como a intensificação da voz no espaço e uma disposição mais decidida para o improviso. O grupo, que tem em sua bagagem os valores acumulados por uma história e uma pesquisa, certamente trabalha no ajuste deste repertório, que vai respaldar ainda mais algo inegociável e igualmente valioso, que está para além das montagens em particular: o projeto artístico da companhia, que aqui tem corpo, coerência e propósito.

Sábado no Teatro Cuíra


Quatro versus cadáver – Entre a paródia e o pastiche
Por Kil Abreu
Fotos: Thiago Araújo

A expectativa era grande quanto a Quatro versus cadáver. É que dos espetáculos pautados provavelmente este seria o que mais se aproximaria da “peça de autor” (e aqui temos quatro!), já que a maior parte das montagens constrói suas dramaturgias de maneira mais compartilhada ou mais centrada nos recursos da própria encenação.

O plano artístico de Saulo Sisnando é primo de um teatro localizado no caldo de uma cultura jovem, em que um imaginário marcadamente urbano e cosmopolita vai buscar suas fontes: mídias diversas, como a web, o vídeo, o cinema, a TV, os quadrinhos e outras variantes e linguagens emergentes do pop e da cultura de massas. Nessa linha há espetáculos muito curiosos, como os da Cia. do teatro Rock, de São Paulo (Lado B, Na cama com Tarantino) e a Vigor Mortis, de Curitiba (Morgue Story, HitchcockBlonde). São trabalhos que tomam aquelas referências às vezes isoladamente e às vezes misturadas em verdadeiros “patchworks” formais, painéis em que interessa menos a unidade que a idéia de colagem, de justaposição.

No espetáculo paraense elas se avizinham do cinema e da literatura. Do cinema noir, nos textos de Edyr Augusto e Rodrigo Barata, e das tramas de mistério, nos de Carlos Correia Santos e do próprio Saulo Sisnando. Tendo como ponto de partida um mesmo mote, o do assassinato de um homem (em São Francisco e na Europa) e do clássico jogo de motivos e desconfiança entre os outros personagens, a peça vai variar o tema em quatro movimentos e em chave cômica.
Diremos que nesta área, a das alusões, salvo engano há outra, que é determinante na montagem, além das anunciadas pelo grupo, e como que orienta as demais: a televisão. Toda a estratégia formal se alimenta do repertório televisivo, sobretudo dos programas de humor - não aqueles de quadros humorísticos, mas os que se dedicam a uma dramaturgia redonda, continuada, no estilo “Toma lá, dá cá”. A marcação das cenas, que privilegia os planos frontais, reforça este diálogo.


Visto isso não se pode pedir da montagem o que ela não é, e o seu limite é o da peça de entretenimento, uma das funções legítimas do teatro. Então na prova do palco o êxito é mais que razoável. Mobiliza-se em cheio a platéia na estratégia de aproximação daquelas matrizes em que os autores se inspiraram, colecionando os clichês de gênero e os expondo humoristicamente um após o outro.

Na paralela há o fato relevante de que apesar dos quatro diferentes movimentos não é possível identificar com muita clareza as marcas individuais, as características próprias de cada um deles. Não deixa de ser decepcionante, mas, creio, parcialmente compreensível: é que o procedimento paródico que está na vocação do projeto naturalmente cria alguma tendência a uniformizar a escritura. Mais que a expressão pessoal de cada autor está em jogo o “comentário” que eles devem fazer sobre suas fontes. Ou, talvez, a marca autoral tenha ficado em um plano relativamente difícil de ser alcançado devido às soluções enfáticas usadas na encenação, que mantém uma espécie de “mão pesada” sobre a dramaturgia.
De um ou outro modo, se por um lado não há muito o que discutir quanto a estas escolhas, creio que ainda há espaço para fazer um apontamento crítico procurando sentidos mais profundos, que oferecem ao menos uma leitura possível das cenas, vistas sob outro ângulo.


O imaginário da peça, urdido em uma série de situações propositalmente inverossímeis (daí parte de sua graça), é quase um mundo novo, suspenso acima do tempo histórico. É lugar onde se experimenta uma visão alegre e longínqua da realidade. Este relativismo, por ingênuo que pareça, acaba por revelar acidentalmente aquela idéia, tão impregnada em nós como um valor, sobre o diverso, o plural. No espetáculo ela aparece traduzida na forma de um vale-tudo estético, em um sem número de soluções cênicas que insinuam a paródia e alcançam o pastiche, pela via do absurdo e do grotesco. É como se de alguma maneira esse jogo com o imponderável, com uma pluralidade e uma diversidade imponderáveis, nos dissesse que há uma compensação prazerosa em uma época carente de utopia: libertos de uma abordagem minimamente crítica do real nos é permitido acreditar em
qualquer coisa, ou “estar de qualquer lado”. A tese é: tanto faz. A questão é que no limite este estar de qualquer lado também pode significar o desejo de não estar em lugar nenhum, ainda que a boa dialética nos diga que isto é uma operação ideológica, esta sim, impossível.


E Ai Macaco?

Release de divulgação do grupo:
fotos: Thiago Araújo

“E aí Macaco?” é um espetáculo criado para o Museu Emílio Goeldi que trata da relação dos bichos do parque zoobotânico do Museu com seus os visitantes. A idéia é brincar de ver esta relação pela ótica dos animais. Os personagens, Macaco Salomão, Cotia Estelinha, Arara Mariléia, As irmãs Tracajás, O Jacaré Alcino e a Garça Indaiá, revelam pontos de vista diferentes desta relação.
A dramaturgia foi construída para a linguagem do teatro com bonecos e considera seriamente os seguintes ingredientes: O Bom Humor, o Lúdico e o Ridículo representado pela figura do ator manipulador, que nesta história representam duas árvores: Uma Samaumeira e uma Mangueira.

“E aí Macaco?” é um espetáculo criado para o Museu Emílio Goeldi que trata da relação dos bichos do parque zoobotânico do Museu com seus os visitantes. A idéia é brincar de ver esta relação pela ótica dos animais. Os personagens, Macaco Salomão, Cotia Estelinha, Arara Mariléia, As irmãs Tracajás, O Jacaré Alcino e a Garça Indaiá, revelam pontos de vista diferentes desta relação.
A dramaturgia foi construída para a linguagem do teatro com bonecos e considera seriamente os seguintes ingredientes: O Bom Humor, o Lúdico e o Ridículo representado pela figura do ator manipulador, que nesta história representam duas árvores: Uma Samaumeira e uma Mangueira.